sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Amizade - Fernando Pessoa

AMIZADE
FERNANDO PESSOA


Um dia a maioria de nós irá se separar. Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, as descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, de tantos risos e momentos que compartilhamos. Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, da véspera dos finais de semana, dos finais de ano, enfim... do companheirismo vivido. Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre. Hoje não tenho mais tanta certeza disso. Em breve cada um vai para o seu lado, seja pelo destino ou por algum desentendimento, segue a vida, talvez continuemos a nos encontrar, quem sabe... nos e-mails trocados. Poderemos nos telefonar, conversar algumas bobagens... Aí ,os dias vão passar, os meses... anos... até esse contato tornar-se cada vez mais raro. Vamos nos perder no tempo... um dia nossos filhos verão aquelas fotografias e perguntarão: Quem são aquelas pessoas? Diremos ... Que eram nossos amigos. E ... isso vai doer tanto! Foram meus amigos, foi com eles que vivi os melhores anos da minha vida! A saudade vai apertar bem dentro do peito. Vai dar uma vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente. Quando o nosso grupo estiver incompleto, nos reuniremos para um último adeus de amigos. E entre lágrimas nos abraçaremos. Faremos promessas de nos encontrar mais vezes daquele dia em diante. Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver sua vidinha, isolada do passado. E nos perderemos no tempo. Por isso fica aqui um pedido desse humilde amigo: não deixes a vida passar em branco e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades ..Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos. x-x-x-x-x-x-x-x-x-

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Cão

CÃO

Ficou deitado bem em frente à porta, impedindo a passagem. Todos que entravam e saiam ralhavam com ele. O cão nada... nem se movia. Era um cão negro, de olhar parado, jeito calmo. Mas por que estava alí, bandonado em frente à porta?
Estava caído, entristecido, desapontado... As horas passavam e o cão permanecia alí deitado. Algum tempo depois, de súbito, o cão levanta-se, pula alegremente, faz aquela festa. As crianças da escola descem as escadas correndo e gritando... O cão, enfim, encontra sua dona. Era uma menina do jardim de infância. Vai ao seu encontro e com suas grandes patas quase a derruba. Vai lhe beijando o rosto com lambidas e recebe dela um afago. O que aconteceu com o cão? Ele aguardava incansavelmente que as horas corressem e a menina voltasse. Seu espírito de companheiro fiel o impedira de ir embora mesmo que muitos o tivessem enxotado.
Eleana M. Roloff -

Cheiros

Cheiros



É impressionante como sentimos cheiros nos momentos mais inusitados de nossas vidas. O aroma de um bom café, o perfume de outra pessoa, que nos excita ou nos enjoa, o cheiro de uma comida saborosa... o cheiro de chocolate quente no inverno...

E a vida tem cheiro? Sim, porque a vida começa no sexo, que possui odor característico e inconfundível. Depois, aquele cheiro gostoso de bebê; a criança suada depois da aula de educação física; os adolescentes com hormônios descontrolados e aquele chulé... os homens fedidos no trabalho, como os catadores de lixo, que recolhem os restos da sociedade perfumada! O perfume dos cabelos daquela milher linda que passa e nem te olha...

E a morte que cheiro tem? Cheiro ruim, porque a morte não nos agrada. Ou, a vida após a morte, aquela lá no paraíso, tem aroma angelical enquanto a passagem pelo inferno dizem ter cheiro de enxofre. Mas por que enxofre?
Que cheiro tem uma pessoa apaixonada? Deve ser o aroma da liberdade com o da entrega absoluta, misturados, entrelaçados entre sí, de tal forma que ficam irreconhecíveis.
Como sentímos o cheiro da saudade? Nossos sentimentos possuem aromas como comidas ou café? O cheiro da saudade deve ser uma mistura da distância, como um mofo, e o da esperança, como o perfume de lírios.
E qual é o cheiro da amizade? Será que, por ser a pessoa nossa amiga, seu cheiro deveria ser doce e o dos nossos inimigos deveriam ser, obrigatóriamente, ácidos. Ou, os sentidos nos enganam e os inimigos são perfumados enquanto os verdadeiros amigos, às vezes, são azedos.
E os outros aromas do dia-a-dia: Quando ficamos, disfarçadamente, torcendo contra alguma coisa ou projeto dos outros, não estamos como urubus, movidos pelo cheiro da maldade, da carniça... Nas esquinas que passamos como não sentir o cheiro da loló? O fedor do vômito dos drogados, dos alcoólatras, espalhando-se no ar, bem diante da nossa indiferença.


Que cheiro tem a sua indiferença pelos outros? Quando você passa, ao menos olha, tem algum sentimento ou só segue em frente, carregando sua aparente calmaria; ou, sua ostentação é tanta que você nem olha... tapa o nariz fica, conscientemente, de nariz entupido, não sente cheiro de nada...
Você já sentiu-se magoado? A mágoa deve ter cheiro de mar, não porque as duas começam com “M”, e sim porque a mágoa me parece ter um gosto salgado!
Mas, apesar de todo o mau cheiro da humanidade, não podemos deixar de esperar dias melhores. Não adianta fechar-se sobre si mesmo e repousar nossos sentidos cansados. O tempo precisa tirar o nada do olhar. Precisamos ser melhores na dor, não só na nossa dor mas na dos outros também. Devemos ser o aroma do chá de camomila que acalma e conforta. Mas não temos que ter certeza sempre. Só temos que desviar o olhar na direção do odor que sentimos, alimentar a alma de quem sofre, como feijoada. A fome de amor é cruel e muitos estão famintos do gosto, do cheiro da solidariedade. Não basta ser o sol de seu próprio céu, azul com cheiro de anis, repleto de nuvens brancas como algodão doce. Ideal seria se pudéssemos ser a lua do céu de alguém, que dormindo nas calçadas imundas das grandes cidades, enxergasse a luminosidade do novo, o cheiro gostoso da paixão pela vida.

Precisamos aprender a escutar ou outros com os ouvidos do coração.
Necessitamos cuidar melhor do ser humano, de todos nós, antes que a vida, rápida como um beija-flor, abandone nosso corpo e vá em busca de outras flores, outros perfumes...

Eleana M. Roloff