sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
segunda-feira, 16 de julho de 2012
Pedagogia da autonomia
domingo, 1 de julho de 2012
.Do chimarrão ao MSN. Apocalípticos ou integrados?
terça-feira, 1 de maio de 2012
Os moradores do Noli querem falar...
sexta-feira, 27 de abril de 2012
O Vencedor (Augusto dos Anjos)
Toma as espadas rútilas, guerreiro,E à rutilância das espadas, toma
A adaga de aço, o gládio de aço, e doma
Meu coração — estranho carniceiro!
Não podes?! Chama então presto o primeiro
E o mais possante gladiador de Roma.
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma,
Nenhum pôde domar o prisioneiro.
Meu coração triunfava nas arenas.
Veio depois um domador de hienas
E outro mais, e, por fim, veio um atleta,
Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem...
E não pôde domá-lo enfim ninguém,
Que ninguém doma um coração de poeta!
sexta-feira, 13 de abril de 2012
Histórias de trabalho "Semeando sonhos"
SEMEANDO SONHOS (2)
HISTÓRIAS VERDADEIRAS
Existia nela algo de indecifrável. Talvez o jeito de gritar com a gente, metade em alemão, metade em português. Aquele modo natural de falar aos berros. Andava ao redor da mesa, secando as mãos no avental de saco, sobre aquela barriga grávida, sempre começando uma nova vida. Sua resistência parecia vir da alma mesmo quando, no final de uma gravidez ou recém tendo parido, subia as ladeiras, por entre os pomares, carregando duas latas d’água. O cabelo era comprido e sem formas, como o corpo, depois de tantos filhos. Filhos que enchiam uma grande mesa em volta da qual ela corrigia os cadernos, depois das tarefas diárias. Gritava com a gente e batia com os dedos grossos nas folhas: “_Tá feio! Tá horrível! Apaga e faz de novo!”. A gente, sem erguer os olhos, obedecia. Ela sabia mandar e corrigia temas como ninguém! Nossos cadernos de aula eram sempre elogiados. Ela nos fazia ler, em voz alta, todas as noites, para que nosso pai pudesse ouvir.
Pertencíamos ao grupo dos alunos mais carentes e, por isso, usávamos sempre material doado. Nossos cadernos de doze folhas precisavam ser economizados. Primeiro fazer os temas na mesa limpa, depois jantar, para não deixar os trabalhos manchados da banha da carne de porco. E, quando nesses cadernos apareciam “orelhas”, ela nos obrigava a colocá-los em baixo do pé da mesa, e berrava: “_Onde se viu um livro de estudo todo ‘orelhado’?”. Ela possuía uma forma muito especial de estabelecer as margens, os limites. Não parecia haver nela a doação do conhecimento. Nunca entendíamos o motivo pelo qual ela exigia tanto de nós.
A escola também nos fornecia os uniformes. A rotina antes da aula era severa. Banhos de bacia, esfregando o corpo com bucha e sabão amarelo, feito em casa. Unhas aparadas. Cabelos penteados, com tranças e enormes laços de fitas. E as orelhas? “_Deixa ver as orelhas... e a outra?”. Saia no comprimento exato, quatro dedos acima do joelho, camisa branca, gravata, meias e escabrosos sapatos pretos. Aliás, nós três dividíamos dois pares de sapatos. Então, ou eu andava com os pés apertados nos sapatos da minha irmã ou, perdendo os ditos cujos, quando usava os do meu irmão mais velho. Preferia andar com os dedos apertados, já que minha irmã, querendo parecer mocinha, conservava os seus mais limpos. Meu irmão, mais medonho e relaxado, jogava bola na escola...
Nossas merendas eram sempre feitas em casa: batata-doce, aipim frito, polenta feita com farinha de milho grossa (que vinha no rancho do Posto de Saúde). E quando a situação estava equilibrada, até comíamos polenta com farinha média e guisado. Mas, dávamos um jeito de contornar a situação e trocávamos os lanches com as professoras. Elas almoçavam nossas merendas e nós, maravilhados, comíamos aquelas bolachas recheadas, que novidade! Imagine se ela descobrisse que a gente andava comendo ‘aquelas porcarias’. Estudávamos no horário intermediário, saíamos de casa uma hora antes, atravessando matos de eucaliptos, cruzando arroios e plantações, até chegarmos à primeira estrada de terra vermelha. Somente podíamos ir à escola naquele horário. Pela manhã e no final da tarde, ela precisava de todos os filhos em casa, para ajudar nas lidas com a lavoura. Nos invernos, a escola sempre solicitava auxílio para a sopa. Ela mandava de tudo o que nossa horta pudesse produzir. Enchia as cestas e levava de carreta, puxada por uma parelha de bois. Nesses dias, a gente não entendia se o sentimento que tínhamos por ela era orgulho ou vergonha.
Nas festas da escola, sempre éramos elogiados. Ela caprichava nos bolos, assados no forno à lenha, no pátio. Fazia cucas recheadas de frutas, o que nos levava a vencer sempre os concursos de culinária. Na Semana da Independência, em setembro, sempre desfilávamos no ‘Pelotão dos Imigrantes’. Ela nos arrumava com roupas verdes, camisas brancas, de suspensórios e arranjos de flores nos cabelos. Ela enfeitava cestas, com rosas, botões de copos de leite e flores do campo, que distribuíamos aos jurados. Na sua simplicidade, ela nos fazia sentir importantes.
E tinham as campanhas de vacinação. Carroça de passeio, cavalo domado, boas ferraduras, bancos recobertos com os pelegos mais branquinhos. Lá ia ela com seu amontoado de filhos e muitos cartões de vacinas. Cada um deveria ter o seu, de cor diferente dos demais. Ninguém podia ficar sem fazer nenhuma e os cartões eram devidamente guardados no ‘Livro dos Documentos’. Esse livro continha, em cada uma de suas páginas, um segredo guardado. E ela sabia onde estava cada um deles. Era abrir o livro e retirar o que desejava. A Bíblia, de capa de couro preto e letras douradas, guardava os mistérios e os desejos de nossa família. Era o tesouro dela.
E todas as noites, fazer os temas. Ela ficava de pé, próxima à mesa e coordenava as atividades. Conferia um a um os cadernos e mandava refazer as letras feias e nos tomava a tabuada, oralmente. Dos seis filhos que ela educou apenas um concluiu o ensino médio. Os outros cinco, por descaminhos da vida, por força de sobrevivência ou pelo peso da enxada, abandonaram a escola.
A vida seguiu seu curso. Vieram os netos. E lá estava ela, de novo, para ajudar a fazer as lições. Eles em geral recusavam ajuda, pois julgavam ser ela muito brava e exigente. Mas um deles, talvez por ser filho único e ficar só em casa, aceitou seu auxílio antes mesmo de ser matriculado. E aqui a vida se reiniciava. Ela agora, mais velha e experiente, ensinava a segurar o lápis entre os pequenos dedinhos e redesenhava as letras de uma velha cartilha escolar. O menino, calmo e interessado, seguia sua trilha de ensinamentos. Ela o ensinou a escrever em linha reta, ‘_Fazer a coisa direito’. Ele aprendeu a recortar e colar. Depois, na aula, seu caderno era sempre o mais completo, o mais limpo e o mais elogiado. E, quando não havia papel crepom, de veludo, ou qualquer outro material para fazer o tema de casa, ela o ensinava a usar feijão, arroz, milho, o que houvesse ou fosse necessário. E, mesmo com os dedos retorcidos pelo reumatismo da vida, ela ainda o ensinou a fazer bolinhas de papel para preencher algum Coelho de Páscoa ou Papai Noel. Ela lhe orientou a fazer de barro uma oca que, colocada sobre uma tábua, ajudava a compor uma aldeia, com folhas verdes e pedaços de madeira. O neto tirou dez no trabalho sobre o Dia do Índio.
No caderno de caligrafia, ensinava o neto a escrever o nome e sobrenome. E, quando iam fazer compras no mercado, o neto escrevia a lista das compras. Ela, apenas conferia. Era bom para ele, com sete anos, ir praticando. Assim, ia aprendendo a ‘desenhar as letras bem direitinho’. Sempre altiva, ela levava o menino para tomar as vacinas, agora num posto de saúde mais distante. Tinham que ir de ônibus. Ela mandava que ele ficasse lendo as placas indicativas dos bairros em todo ônibus que passava. Era bom praticar a leitura. E, à noite, em casa, faziam juntos os temas. Depois, ela pedia que ele escrevesse os nomes dos bairros. Era bom para exercitar a memória.
Ela exigia. Ele atendia a seus pedidos e caprichava nos escritos e nas leituras. Nas noites de inverno, os temas eram feitos em frente ao fogão à lenha e, usando as sobras dos papéis da escola, desenhavam usando carvão como giz. Era interessante o contraste: a febre da infância e a firmeza da sabedoria.
E foi justo em setembro, num dia de sol claro e céu azul, que ela nos deixou. Escolheu um lindo cenário para seu ultimo desfile. Carregamo-la até seu lugar derradeiro, unidos. Compramos-lhe flores do campo. Ela ensinou a todos nós a importância do conhecimento, o verdadeiro valor do saber. De dia, espalhávamos sementes na terra. À noite, ela semeava sonhos em nós. Meu filho, só depois de algum tempo, se deu conta do que eu já havia percebido, mas que agora não tinha mais relevância nenhuma. Ela nunca corrigiu, de fato, nenhum caderno. Nunca escreveu um bilhete ou uma carta de amor. Nunca assinou seu nome. Ela, minha mãe, era analfabeta.
PARA O CONCURSO HISTÓRIAS DE TRABALHO/PMPOA.