sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

www.reclameaqui.com.br
Benoit de Guaiba.
Os funcionários rindo dos clientes.




quinta-feira, 11 de outubro de 2012



 FURTO dentro do ônibus (D 43 Universitária)

            As pessoas que me conhecem já sabem que quase nada me afeta. Digo quase nada, pois não dou importância para muitas “coisas” que a maioria dos mortais julga essenciais em suas vidas. Não ligo para sua cor, sua religião, seu cabelo, seu jeito de vestir ou de falar. Eu ligo, sim, para você! Para suas atitudes e seus valores. Talvez por isso me decepcione tanto em algumas situações cotidianas que, por estarem banalizadas, já não agridem mais a muitos.
            Hoje, ao retornar para casa ao meio-dia, dentro do ônibus D 43, Universitária, no sentido Ipiranga – Centro, lotado ao extremo, alguém FURTOU minha carteira.  Quando o ônibus parou na estação rodoviária, muitas pessoas desceram e eu encontrei um lugar para me sentar. Ao sentar, percebi que minha bolsa estava aberta. A “criatura” abriu uma parte da bolsa e “tirou” minha carteira.
            Minha reação imediata? O desespero. Não pelo dinheiro, nunca tenho mesmo, mas por meus cartões, afinal, faço tudo com os limites, os empréstimos, etc. Comecei a chorar e liguei para minha filha. Sim, a “criatura” não levou meu celular, barato e vagabundo por sinal, pois estava no bolso da frente da minha calça... Aos prantos, fui contando o que aconteceu. Uma gentil senhora, ao ouvir a conversa, me doou cinco reais para que eu pegasse o outro ônibus.
            Desci no final da linha e procurei um representante da Brigada Militar. Encontrei um perto do Mercado Público, que conversava alegremente com uma moça de batom vermelho, que me explicou onde ficava a delegacia mais próxima. Na Riachuelo, disse ele, a mais ou menos uma quatro quadras. Subi a Borges de Medeiros, dobrei à D na Riachuelo e perguntei num bar onde ficava a delegacia. O rapaz disse: _Aqui é o número 1.200 (mais ou menos, não lembro direito) e a delegacia é lá para baixo, pelo número 600. Segui. O telefone toca e minha filha, desesperada do outro lado, tenta acalmar meu pranto. Entro numa ferragem e uma senhora de má um copo com água gelada. Enquanto me acalmo, vamos conversando. Caminho mais um pouco.
             Encontro a delegacia.  Na esquina, num prédio velho e mal conservado, entro pela porta lateral. Uma escada (suja), uma sala (velha) e ninguém na recepção. Parecia estar abandonada.  Bato no balcão de madeira (velho), aparece um senhor. Mal abre a boca, pouco pergunta. Não parece interessado na minha dor. Pede meu nome, preenche um boletim de ocorrência (B.O.). Não pergunta sobre detalhes. Escreve e pronto. Enquanto tento me lembrar o que tinha na carteira, observo o ambiente. Tudo é velho!!! Prédio, mesas, cadeiras e objetos.
             Nas paredes, em murais feios e velhos, MUITOS AVISOS com o mesmo texto: BANHEIROS SEM CONDIÇÕES DE USO POR TEMPO INDETERMINADO.
            Neste instante, não sei se me apavoro por ter sido roubada, pelo atendimento sem nenhuma reação do profissional do balcão (feito de tábuas por alguém que, com certeza, não era marceneiro), pela distância da delegacia do centro da capital do Rio Grande do Sul, ou pelo fato de não poder, sequer, pedir para fazer xixi.  E, mesmo não querendo, as lágrimas escorrem...
            Como é difícil viver em sociedade.
            Fui roubada, atendida com indiferença, posso fazer xixi nas calças e ninguém dá a mínima. Na multidão, você pode chorar, berrar, implorar ou, até fazer suas necessidades fisiologias na roupa, dentro da delegacia de polícia.
            Agora, sentada ao computador, penso como andei por aquelas ruas e consegui voltar para casa em tal estado emocional.  Viver em Porto Alegre, isso sim é para os fortes!
            Calma, a COPA DO MUNDO vem aí. Vamos oferecer para as pessoas que virão de todos os cantos do mundo ônibus lotados, assaltos grátis, atendimento sem cortesia e delegacias abandonadas. E sorrir, como políticos imbecis, recém eleitos, fazendo de conta que está tudo bem.
            A propósito: Usei tantas vezes a palavra “velho” ou “velha” porque foi realmente isso que me pareceu. Senti-me como devem se sentir os velhos de Porto Alegre: roubados, abandonados, entristecidos e sem nenhuma esperança.

ELEANA M. ROLOFF – Porto Alegre/RS, 11/10/2012.
           











segunda-feira, 16 de julho de 2012

Pedagogia da autonomia


PEDAGOGIA DA AUTONOMIA
                Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua própria produção ou construção.
                Devemos buscar caminhos que liguem a vida cotidiana da sala de aula com uma linha de educação. Unir conteúdo, metodologia e conhecimento numa relação entre teoria e prática e nunca na idéia de “ensino bancário”, onde apenas depositaremos no aluno um saber necessário.
                Temos que trabalhar com nossas questões (salários, recursos, cobranças),  mas não permitir que os pontos subjetivos (formação de valores, vontade política e a própria concepção do processo de conhecimento) sejam esquecidos e/ou anulados.  Eleana M. Roloff.           LEITURA AUXILIAR: Pedagogia da Autonomia – Saberes necessários à prática educativa – Paulo Freire.

domingo, 1 de julho de 2012

.Do chimarrão ao MSN. Apocalípticos ou integrados?


Eleana Margarete Roloff* – IFSul -  01.07.2012

            A descoberta da escrita e da leitura revolucionou a vida dos homens. Com as novas tecnologias de comunicação podemos transformar radicalmente nossas práticas de convivência. As mídias, cada vez mais acessíveis à população, propiciam estas comunicações instantâneas entre todos os povos e línguas mundiais. Esta modernidade acelerada surpreende aqueles que ainda não estão conectados, plugados, à margem da internet. Aonde a globalização ainda não chegou, por motivos econômicos nas camadas mais pobres da população ou nos interiores do nosso Brasil, devido às enormes distâncias e/ou falta de programas educacionais de estímulo, ela causa desconfiança e medo. Os mais jovens, deslumbrados, acreditam ser esta a solução para todos os problemas da raça humana. Os mais velhos, céticos, duvidam de tudo, porque acreditam que esse uso exagerado causa males irreparáveis. Entre esses dois grupos situam-se os acríticos, pessoas que acreditam que o ser humano e a tecnologia, juntos, desenvolvem novas técnicas que criam possibilidades multiplicadas aos homens.
            A análise, dentro do nosso contexto diário, encontra os três grupos. Uma pessoa que, com medo das tecnologias, defende que o melhor diálogo é aquele desenvolvido com contato físico, olho no olho, na roda de chimarrão e não aceita toda essa modernização: “_ No meu tempo, não existiam essas bobagens!”; os mais jovens, que passaram a ter viveres conectados à internet, como se fosse seu cordão umbilical: “_ Se ficar sem internet morrerei!”; e, nós, educadores, formadores de opinião, a quem cabe o papel de mediadores acríticos desta situação. Temos que estabelecer medidas de relação com as mídias, demonstrando aos mais velhos que todas as tecnologias podem e devem ser usadas em benefício do ser humano, como no caso de descobertas de remédios, vacinas e novas técnicas de cirurgias, por exemplo. E, aos jovens, deixar claro que todo esse desenvolvimento tecnológico deve ser utilizado de maneira responsável, pois o construtivismo não aceita mais a separação da tecnologia e da sociedade.
            Entre um chimarrão e outro, vou ao banheiro e utilizo o vaso sanitário. Já pensou o que seria de nossas vidas sem este precioso objeto? Faço os trabalhos da faculdade, digito, salvo, imprimo ou mando via e-mail   para pessoas bem distantes. Entre o chimarrão e o MSN, ainda resta um tempo de escrever um bilhete para minha filha dizendo ‘eu te amo’. O melhor de tudo isso é poder circular por diferentes grupos, me comunicar com eles, aceitar as diferenças e criar novas possibilidades. Agora, preciso terminar. Vou fazer um mate doce e mandar este trabalho para minha professora no fórum do meu curso de Educação à Distância (EAD). Perceberam como é possível circular entre todos os ambientes sem problemas?
*Chimarrão: bebida típica do RS. Mate doce: Chimarrão com chá e açúcar.

*Eleana Margarete Roloff, bolsista do PROUNI, graduanda da Faculdade de Letras, PUCRS, 8º semestre. Em 01/07/2012.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Os moradores do Noli querem falar...


           
Os moradores do Noli querem falar...    
É com surpresa que abro este jornal e encontro uma matéria sob o título ‘Trabalhando por você’ (edição nº 159, p. 5), que apresenta uma entrevista com o vereador Sr. Antônio “Sarrafo” Santos, falando sobre o trabalho que “[...] realizei junto a algumas pessoas do bairro Noli... onde consegui colocar horários de ônibus e abrigos no bairro que não existia.” (existiam!). Quanto à entrevista, cabem alguns esclarecimentos:
1 – O trabalho que o vereador diz ter realizado ‘junto a algumas pessoas’ é verdadeiro. Porém, é bom deixar claro que não foi bem assim. Muitos moradores foram várias vezes até a Secretaria dos Transportes da Prefeitura Municipal de Guaíba conversar sobre esta questão, em todas as fases do processo. Pessoalmente participei, inclusive, da fase do mapeamento do bairro para escolha das ruas por onde trafegariam os ônibus. Entretanto, nunca me convocaram para nenhuma reunião. Seria bom deixar claro quem são estas ‘algumas pessoas’ e quais os reais interesses delas pelo bairro.  Outro aspecto importante é a trafegabilidade de nossas ruas. Quando solicitamos a linha de ônibus nos foi dito que o calçamento não suportaria. Agora, morando no bairro, somos sufocados pela poeira de caminhões pesados, que transportam terra, equipamentos e animais o dia inteiro, destruindo nossas ruas. Você, que mora no bairro Noli, não concorda comigo? Se não podíamos ter a linha de ônibus por que, agora, temos trânsito intenso, dentro do nosso bairro?  Observe a sua rua! Com a palavra, a Prefeitura Municipal de Guaíba, em especial a Mobilidade Urbana.  A propósito: Você já pagou seu Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) este ano? Então. O verbo correto em relação ao bairro Noli não é “passava” e sim “passa”. (Aquela comunidade passava por grandes dificuldades sem transporte – palavras do vereador Sarrafo).
2 – Os horários dos ônibus: Também houve participação dos moradores do bairro, que fizeram uma verdadeira campanha (por telefone) para que a ALTERAÇÃO DE ITINERÁRIO da linha Primavera/São Francisco, via Bom Fim, fosse realizada. Não foi criada uma nova linha de ônibus que atendesse o nosso bairro, apenas um pequeno desvio, que nos atende em poucos horários sendo que, nos finais de semana e feriados não possuímos ônibus. Você já viu uma placa, no vidro dianteiro, escrito ‘via Noli’? Pois é, esta é a nossa linha. Piada. A explicação da empresa de ônibus, na época, é que não haveria demanda suficiente. Acredito que poderíamos realizar outro estudo, já que os veículos andam sempre “superlotados sem conforto algum aos usuários que pagam uma tarifa cara demais em relação aos serviços prestados” (palavras do Senhor Sarrafo). Os moradores do bairro Noli deixam aberto o espaço para que a empresa concessionária da linha realize nova pesquisa, com a devida divulgação antecipada. Afinal, se estão pesquisando algo em nosso bairro, gostaríamos de ter conhecimento de tal fato.  Com a palavra a Prefeitura Municipal de Guaíba, através da Secretaria dos Transportes.  
3 – O verbo passar, no presente e no passado: Em relação às dificuldades do bairro, elas ainda estão lá e muitas se agravaram, embora não tenha sido bem isso que ouvíamos nas reuniões antes da entrega das casas. Além de possuirmos apenas alguns horários de ônibus, também não tínhamos entrega de correspondências, serviço que foi iniciado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT) há pouco tempo atrás. Que bom!  Outro ponto relevante é quanto às tampas dos bueiros, que foram roubadas porque não foram fixadas devidamente, e não repostas. Já fomos várias vezes até a Secretaria de Obras solicitar as tampas. A desculpa de quem nos atendeu, por várias vezes, foi a de que as tampas não são de tamanho padrão e, por isso, precisariam ser feitas sob encomenda. Bom, moro no bairro desde 2010 e as tampas ainda não foram ‘encomendadas’. Com a palavra, a Prefeitura Municipal de Guaíba, através da Secretaria de Obras.
 4 – Os projetos do vereador Sarrafo: Ele cita nove projetos, todos em benefício da comunidade carente. Faltou esclarecer se algum deles foi aprovado, colocado em prática, se surtiram algum resultado. No final da matéria, o jornal esclarece que “Todos estes projetos tiveram vício de origem e foram apresentados em forma de requerimento para o executivo municipal”. O que é vício de origem? Fui buscar na internet: “A palavra vício, de origem latina, significa defeito que torna a coisa imprópria para o uso a que se destina”. E mais: “Além desses projetos apresentei mais de oitenta requerimentos todos em benefício à comunidade”. Senhor Vereador, nos demonstre o aproveitamento real destes números. Apresentar oitenta requerimentos é uma coisa. Fazer disso um benefício à comunidade é outra bem diferente. Você, eleitor, consegue perceber a distância que existe entre estas duas coisas? Finalmente, quero deixar claro que não sou candidata a nada. Sou moradora de Guaíba e me preocupo, e sei que muitas outras pessoas também, com o ano eleitoral. Agora, seremos bombardeados com notícias de políticos que ‘fizeram’ algo por este ou aquele bairro. Candidatos que irão nos abraçar no portão de casa, no sábado pela manhã. Mal sabem eles que acompanhamos de perto suas trajetórias e sabemos que, por exemplo, nosso Deputado Estadual, Sr. Sperotto votou SIM, a favor do aumento de 23,5% para o aumento de salário dos professores, a ser pago até fevereiro de 2013 e NÃO a favor do Piso Nacional, conforme determina a lei federal. Lembram da paralisação do mês de março? (O resultado da votação da PL 15/2012, que trata deste assunto está no site da Juliana Brizola. É só ir lá e conferir!). As ruas e postes de nossa cidade serão poluídos por cartazes e painéis que estamparão figuras de terno e gravata, em fotos melhoradas por computadores pedindo votos.  Saibam, senhores candidatos que, se depender de “algumas pessoas”, ninguém será reeleito. O povo espera renovação absoluta.  Na frente da minha casa, colocarei uma faixa com minha plataforma política: “Senhores candidatos, não percam tempo, nem seu precioso dinheiro, deixando santinhos em minha correspondência. Não votarei em vocês, a menos que suas competências e habilidades democráticas tenham me convencido disso na gestão passada”. Agora sim, a palavra é no passado! Convoco os moradores de Guaíba a se manifestarem sempre que um candidato aparecer divulgando o que não fez, ou fez apenas parcialmente. Quero acreditar que o coronelismo político de Guaíba já foi extinto. Não trocaremos nossos votos por passagens de ônibus, aterros ou sacolas básicas! Vamos votar nos três Rs: Reciclar, Reutilizar e Reaproveitar somente o que for bom.



sexta-feira, 27 de abril de 2012

AUGUSTO DOS ANJOS (Se tiveres oportunidade, escute estes poemas na voz de OTHON BASTOS).

O Vencedor (Augusto dos Anjos)

Toma as espadas rútilas, guerreiro,
E à rutilância das espadas, toma
A adaga de aço, o gládio de aço, e doma
Meu coração — estranho carniceiro!

Não podes?! Chama então presto o primeiro
E o mais possante gladiador de Roma.
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma,
Nenhum pôde domar o prisioneiro.

Meu coração triunfava nas arenas.
Veio depois um domador de hienas
E outro mais, e, por fim, veio um atleta,

Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem...
E não pôde domá-lo enfim ninguém,
Que ninguém doma um coração de poeta!

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Histórias de trabalho "Semeando sonhos"

Concurso HISTÓRIAS DE TRABALHO, 18ª edição, Porto Alegre/RS, 2011.Secretaria Municipal da Cultura, Coordenação do Livro e Literatura.


SEMEANDO SONHOS (2)

HISTÓRIAS VERDADEIRAS

Existia nela algo de indecifrável. Talvez o jeito de gritar com a gente, metade em alemão, metade em português. Aquele modo natural de falar aos berros. Andava ao redor da mesa, secando as mãos no avental de saco, sobre aquela barriga grávida, sempre começando uma nova vida. Sua resistência parecia vir da alma mesmo quando, no final de uma gravidez ou recém tendo parido, subia as ladeiras, por entre os pomares, carregando duas latas d’água. O cabelo era comprido e sem formas, como o corpo, depois de tantos filhos. Filhos que enchiam uma grande mesa em volta da qual ela corrigia os cadernos, depois das tarefas diárias. Gritava com a gente e batia com os dedos grossos nas folhas: “_Tá feio! Tá horrível! Apaga e faz de novo!”. A gente, sem erguer os olhos, obedecia. Ela sabia mandar e corrigia temas como ninguém! Nossos cadernos de aula eram sempre elogiados. Ela nos fazia ler, em voz alta, todas as noites, para que nosso pai pudesse ouvir.

Pertencíamos ao grupo dos alunos mais carentes e, por isso, usávamos sempre material doado. Nossos cadernos de doze folhas precisavam ser economizados. Primeiro fazer os temas na mesa limpa, depois jantar, para não deixar os trabalhos manchados da banha da carne de porco. E, quando nesses cadernos apareciam “orelhas”, ela nos obrigava a colocá-los em baixo do pé da mesa, e berrava: “_Onde se viu um livro de estudo todo ‘orelhado’?”. Ela possuía uma forma muito especial de estabelecer as margens, os limites. Não parecia haver nela a doação do conhecimento. Nunca entendíamos o motivo pelo qual ela exigia tanto de nós.

A escola também nos fornecia os uniformes. A rotina antes da aula era severa. Banhos de bacia, esfregando o corpo com bucha e sabão amarelo, feito em casa. Unhas aparadas. Cabelos penteados, com tranças e enormes laços de fitas. E as orelhas? “_Deixa ver as orelhas... e a outra?”. Saia no comprimento exato, quatro dedos acima do joelho, camisa branca, gravata, meias e escabrosos sapatos pretos. Aliás, nós três dividíamos dois pares de sapatos. Então, ou eu andava com os pés apertados nos sapatos da minha irmã ou, perdendo os ditos cujos, quando usava os do meu irmão mais velho. Preferia andar com os dedos apertados, já que minha irmã, querendo parecer mocinha, conservava os seus mais limpos. Meu irmão, mais medonho e relaxado, jogava bola na escola...

Nossas merendas eram sempre feitas em casa: batata-doce, aipim frito, polenta feita com farinha de milho grossa (que vinha no rancho do Posto de Saúde). E quando a situação estava equilibrada, até comíamos polenta com farinha média e guisado. Mas, dávamos um jeito de contornar a situação e trocávamos os lanches com as professoras. Elas almoçavam nossas merendas e nós, maravilhados, comíamos aquelas bolachas recheadas, que novidade! Imagine se ela descobrisse que a gente andava comendo ‘aquelas porcarias’. Estudávamos no horário intermediário, saíamos de casa uma hora antes, atravessando matos de eucaliptos, cruzando arroios e plantações, até chegarmos à primeira estrada de terra vermelha. Somente podíamos ir à escola naquele horário. Pela manhã e no final da tarde, ela precisava de todos os filhos em casa, para ajudar nas lidas com a lavoura. Nos invernos, a escola sempre solicitava auxílio para a sopa. Ela mandava de tudo o que nossa horta pudesse produzir. Enchia as cestas e levava de carreta, puxada por uma parelha de bois. Nesses dias, a gente não entendia se o sentimento que tínhamos por ela era orgulho ou vergonha.

Nas festas da escola, sempre éramos elogiados. Ela caprichava nos bolos, assados no forno à lenha, no pátio. Fazia cucas recheadas de frutas, o que nos levava a vencer sempre os concursos de culinária. Na Semana da Independência, em setembro, sempre desfilávamos no ‘Pelotão dos Imigrantes’. Ela nos arrumava com roupas verdes, camisas brancas, de suspensórios e arranjos de flores nos cabelos. Ela enfeitava cestas, com rosas, botões de copos de leite e flores do campo, que distribuíamos aos jurados. Na sua simplicidade, ela nos fazia sentir importantes.

E tinham as campanhas de vacinação. Carroça de passeio, cavalo domado, boas ferraduras, bancos recobertos com os pelegos mais branquinhos. Lá ia ela com seu amontoado de filhos e muitos cartões de vacinas. Cada um deveria ter o seu, de cor diferente dos demais. Ninguém podia ficar sem fazer nenhuma e os cartões eram devidamente guardados no ‘Livro dos Documentos’. Esse livro continha, em cada uma de suas páginas, um segredo guardado. E ela sabia onde estava cada um deles. Era abrir o livro e retirar o que desejava. A Bíblia, de capa de couro preto e letras douradas, guardava os mistérios e os desejos de nossa família. Era o tesouro dela.

E todas as noites, fazer os temas. Ela ficava de pé, próxima à mesa e coordenava as atividades. Conferia um a um os cadernos e mandava refazer as letras feias e nos tomava a tabuada, oralmente. Dos seis filhos que ela educou apenas um concluiu o ensino médio. Os outros cinco, por descaminhos da vida, por força de sobrevivência ou pelo peso da enxada, abandonaram a escola.

A vida seguiu seu curso. Vieram os netos. E lá estava ela, de novo, para ajudar a fazer as lições. Eles em geral recusavam ajuda, pois julgavam ser ela muito brava e exigente. Mas um deles, talvez por ser filho único e ficar só em casa, aceitou seu auxílio antes mesmo de ser matriculado. E aqui a vida se reiniciava. Ela agora, mais velha e experiente, ensinava a segurar o lápis entre os pequenos dedinhos e redesenhava as letras de uma velha cartilha escolar. O menino, calmo e interessado, seguia sua trilha de ensinamentos. Ela o ensinou a escrever em linha reta, ‘_Fazer a coisa direito’. Ele aprendeu a recortar e colar. Depois, na aula, seu caderno era sempre o mais completo, o mais limpo e o mais elogiado. E, quando não havia papel crepom, de veludo, ou qualquer outro material para fazer o tema de casa, ela o ensinava a usar feijão, arroz, milho, o que houvesse ou fosse necessário. E, mesmo com os dedos retorcidos pelo reumatismo da vida, ela ainda o ensinou a fazer bolinhas de papel para preencher algum Coelho de Páscoa ou Papai Noel. Ela lhe orientou a fazer de barro uma oca que, colocada sobre uma tábua, ajudava a compor uma aldeia, com folhas verdes e pedaços de madeira. O neto tirou dez no trabalho sobre o Dia do Índio.

No caderno de caligrafia, ensinava o neto a escrever o nome e sobrenome. E, quando iam fazer compras no mercado, o neto escrevia a lista das compras. Ela, apenas conferia. Era bom para ele, com sete anos, ir praticando. Assim, ia aprendendo a ‘desenhar as letras bem direitinho’. Sempre altiva, ela levava o menino para tomar as vacinas, agora num posto de saúde mais distante. Tinham que ir de ônibus. Ela mandava que ele ficasse lendo as placas indicativas dos bairros em todo ônibus que passava. Era bom praticar a leitura. E, à noite, em casa, faziam juntos os temas. Depois, ela pedia que ele escrevesse os nomes dos bairros. Era bom para exercitar a memória.

Ela exigia. Ele atendia a seus pedidos e caprichava nos escritos e nas leituras. Nas noites de inverno, os temas eram feitos em frente ao fogão à lenha e, usando as sobras dos papéis da escola, desenhavam usando carvão como giz. Era interessante o contraste: a febre da infância e a firmeza da sabedoria.

E foi justo em setembro, num dia de sol claro e céu azul, que ela nos deixou. Escolheu um lindo cenário para seu ultimo desfile. Carregamo-la até seu lugar derradeiro, unidos. Compramos-lhe flores do campo. Ela ensinou a todos nós a importância do conhecimento, o verdadeiro valor do saber. De dia, espalhávamos sementes na terra. À noite, ela semeava sonhos em nós. Meu filho, só depois de algum tempo, se deu conta do que eu já havia percebido, mas que agora não tinha mais relevância nenhuma. Ela nunca corrigiu, de fato, nenhum caderno. Nunca escreveu um bilhete ou uma carta de amor. Nunca assinou seu nome. Ela, minha mãe, era analfabeta.

PARA O CONCURSO HISTÓRIAS DE TRABALHO/PMPOA.